"a substância de seu mundo não era a terra, mas a floresta"

nimu
nimu @plushiedata
Floresta é o Nome do Mundo - Review

"floresta é o nome do mundo" tem uma estrutura caleidoscópica, múltipla como a floresta. em vez de uma narrativa exatamente coesa, o que temos são diferentes perspectivas, nenhuma delas unificadora do todo.

don davidson representa a mentalidade colonizadora em seu ápice destrutivo. é um homem arrogante, que direciona sua violência a tudo que seja vulnerável. ele por si só é um homem fraco. sua força vem de apetrechos: instrumentos mecânicos como armas de fogo e gafanhotos (os meios de transporte aéreo do livro), além de um status privilegiado nas hierarquias da colônia.

"os fracos conspiram contra os fortes, o homem forte tem de ser independente e cuidar de si" (cap. 7)

em athshe, uma terra cheia de vida, davidson vê apenas alvos: "creechies" aparentemente inofensivos que se escondem em tocas no meio da mata. árvores e demais seres, para don, são como objetos inertes, apenas aguardando para serem domesticados por ele. visão que se mostra extremamente enganosa. a agressividade de don em relação ao selvagem, em algum nível, é reação ao seu próprio medo inconsciente de ser engolido pela floresta.

"nada era puro, seco, árido, simples. faltava revelação. não havia como enxergar tudo de uma vez; nenhuma certeza." (cap. 2)

tanto lyubov como davidson, a seu próprio modo, temem a floresta. pois a floresta é escura, e em suas raízes (que carregam o mesmo nome da palavra "sonho", em athsheano) estão o inconsciente e os sonhos. don renega esse receio, e essa repressão extravasa em uma reação muito mais berrante. lyubov está consciente desse medo, mas tenta fazer as pazes com ele. diferente de don, que quer eliminar o que ele desconhece, lyubov crê que pode apreender a floresta. para ele, o que é visto como aleatório ou caótico é na verdade uma série de padrões extremamente complexos.

já selver, antes do contato com os humanos, é como os demais athsheanos. diferentemente de nós, autodenominados racionais porém dirigidos por uma série de impulsos que não temos conhecimento ou controle, os athsheanos estão em contato constante com sua interioridade. não há, para eles, distinção clara entre o inconsciente e o consciente. eles fazem parte da floresta, e vivem em intercâmbio com esse sistema, partilhando sensações e sonhos.

no entanto, com a chegada dos humanos, algo muda. selver passa a ter pensamentos violentos, como resultado das opressões sofridas. selver é, portanto deus-criador de um novo tipo de pensamento, que passa a circular nas mentes de seu povo tal qual um vírus.

num primeiro instante, a agressividade é útil em eliminar os humanos e reestabelecer o estado original das coisas. mas é um equilíbrio ilusório, pois nesse sistema aparentemente intacto há um novo elemento.

este livro foi o meu primeiro da ursula k. le guin, e provavelmente não será o último. ele faz parte do que os críticos denominaram como o "ciclo hainish" da autora. imagino que alguns temas e simbologias da autora ou desse ciclo ficaram perdidos em mim, mas a narrativa é bem inteira e riquíssima por conta própria.