Foi então que me vi numa gare extremamente vazia. Tão vazia que nem a minha sombra se refletia nela. Alguém, uma voz, me sussurrou ao ouvido: Cafarnaum.
Quando o trem desapareceu sob o túnel, senti de súbito que estava perdido: chamei-me pelo nome para sentir minha presença, em vão busquei o último cigarro sob o paletó: os trilhos, apenas os trilhos por todos os lados. Não era noite nem era dia, as lâmpadas não sabia se estavam acesas ou estavam apagadas, um portão luzia ao fundo e todas as setas se dirigiam para ele. Sentia-me tão lúcido que nem um instante me ocorreu a hipótese de estar sonhando, dormindo, ou mesmo morto: agora as minhas pernas me levavam contra a minha vontade, eu estava a cavalo sobre mim mesmo, era um centauro e o meu nome já não formava qualquer sentido: mesmo se houvesse uma parede em frente eu a transporia sem dificuldade. Cafarnaum – dizia a tabuleta em vermelho, de repente em azul.
E então veio a praça a perder de vista, nem uma árvore, nem um poste: apenas as casas ao redor, mudas, surdas, todas iguais como refletidas num jogo de espelhos – e o céu vazio por cima. Pus-me a trotar pela praça, garbosamente como se me olhassem milhões de olhos, eu era positivamente um animal de circo: aplausos unânimes ressoaram das pedras do chão e das esquinas, meus cascos batiam palmas e o eco lhes respondia de cada interstício: toda uma multidão ululante: E se fossem lobos? De medo estaquei a um canto, as narinas no ar, o rabo tenso. Um frio glacial vestia o enorme silêncio, antes eu não sentira o frio nem o calor, simplesmente não sentia: puxei a aba do paletó, de novo era eu dentro de mim, os olhos me vendo como dentro de uma vitrina.
Campos de Carvalho é muito difícil de descrever, então foi o início do livro para vocês terem uma ideia. Todos seus quatro livros se lê em uma sentada. A obra reunida dele tem menos de 400 páginas. E cada uma delas é um deleite, tipo esse início d'A Chuva Imóvel aí.
@cochise "Minha opinião pessoal sobre o diabo, em suma, é a seguinte: ele de fato não existe e nunca existiu, mas que eu já o vi diante de mim em carne e osso, todo fosforescente, isto eu não tenho a menor dúvida."
@cochise e ele fazendo piada com o clima britânico, dizendo que "aqui em londres existe um jornal chamado 'the sun', sai uma vez por semestre" ou algo assim
Se a Bulgária existe, então a cidade de Sófia terá que fatalmente existir. Este o único ponto no qual parecem assentir os que negam e os que defendem intransigentemente a existência daquele país, desde os tempos antediluvianos até os dias pré-diluvianos de hoje.
Neste livro não se pretende firmar nenhuma verdade definitiva sobre essa imortal controvérsia, em que pese ao número crescente de pseudoviajantes e outros aventureiros que, munidos de documentos irrefutáveis, provam ou tentam provar a cada passo o seu respeitável ponto de vista – escudados muitas vezes no prestígio de assembléias ou conferências as mais internacionais. O autor pessoalmente, e é o que se verá, já teve oportunidade de conhecer e mesmo de entabular conversação com mais de um relutante búlgaro, e até mesmo com uma búlgara, todos de uma reputação acima de ilibada e merecedores da maior estima e simpatia: mas como também já viu de perto alguns fantasmas e até o próprio Diabo, reserva-se o direito de só opinar definitivamente sobre o assunto depois que outros mais abalizados ou afortunados o tenham feito, à luz das novas ciências ou das que porventura ainda estejam por surgir.